Enquanto alguns anos atrás o fato de criar algo que um cliente desejava através de detalhadas especificações poderia ser o suficiente para se manter no mercado, atualmente a percepção de valor vem se alterando. Com o fato de a ‘experiência do usuário’ ter se tornado algo popularmente difundido, simplesmente se sentar com um cliente e ter um grupo decidindo o que é, e o que não é interessante em um produto pode acabar sendo uma experiência altamente frustrante. Isto pois o fluxo ‘normal’ é: Levantar as especificações, desenvolver e entregar ao cliente.
Imagine um cenário você tem um problema gigantesco no seu dia a dia, resolve contratar uma empresa para desenvolver um produto (neste caso um software) que, ao seu ver, irá resolver todos os seus problemas. Após alguns encontros, e muita documentação, a empresa começa a desenvolver o software e em alguns meses você está interagindo pela primeira vez com a solução dos seus sonhos. É então que você percebe que tudo que havia sido solicitado foi desenvolvido e que nada daquilo importava, pois de alguma maneira que você não consegue compreender, nada está funcionando como deveria.
O cenário recém descrito, é algo que muitas empresas — ainda em 2021 — vivem. Imensas especificações, um extraordinário tempo de desenvolvimento e finalmente uma entrega que não gera um real valor ao cliente — e principalmente aos usuários. É este o cenário que o Design vem para mudar, aqui apresento um case da área de inovação da Zitrus Healthtech e como uma demanda por ‘uma tela nova’, se transformou em uma nova proposta de produto.
O case
A área de inovação da Zitrus recebeu uma demanda da nossa Fábrica (área responsável por personalizações específicas para nossos clientes), onde a ideia seria ‘melhorar essa tela para auditoria médica e de enfermagem’. A priori poderia ser encarado com uma demanda simples e, talvez, até tratado apenas como UI. Para contextualizar, estas são as telas que nos foram solicitadas a melhoria:
Durante o repasse da solicitação o time de design interveio e explanou que mesmo sendo uma tarefa ‘urgente’, apenas focar na UI aqui poderia acarretar vários problemas. Não apenas temos muitos dados sensíveis, quanto o volume de informações apresentados em tela era muito grande. Para isto foi proposto o seguinte:
Pesquisa exploratória e entrevistas
Nesta etapa inicial conversamos com gerentes da área e usuários, perfis de mapeados previamente. É importante conhecer ambos pois estes possuem visões diferentes do dia a dia e muitas vezes até necessidades diferentes. E já neste momento nos deparamos com algo que acabou por guiar nosso processo, existiam mais personas do que estávamos esperando. Como comentado, a prior teríamos uma tela para a área médica e outra para a área de enfermagem, acontece que estes usuários se dividiam da seguinte maneira:
Divisão dos personas em dois grupos: Locais e de intercâmbio
A área administrativa era para onde todas as outras analises se convertiam, no entanto não era o nosso foco (eles permaneceriam trabalhando na ferramenta atual). O foco aqui, então, ficou em compreender como os 4 personas atuavam no dia a dia.Sendo assim, dividimos nossa semana em entrevistas diárias para cada persona, com um foco por dia conseguíamos entrevistar, compreender fluxos e já fazer sketches e idear possíveis fluxos.
Definição de escopo
Este é o momento que respiramos e debatemos. Como salientado acima o processo de entendimento (pesquisa exploratória e entrevistas) aconteceu durante uma semana. E por estarmos falando de uma abordagem baseado no design thinking, não ficamos apenas sentados aguardando terminar o primeiro ciclo para iniciar o segundo. Com a anuência de todos os participantes, gravamos as entrevistas e fomos compartilhando com os envolvidos assim que elas terminavam. Junto a isto, também existiam anotações, conversas informais e sketches que surgiam durante e depois das conversas.
Trabalhar desta forma nos possibilitou acelerar e ter uma etapa de definição onde, ao invés de grandes documentos e monólogos apresentando resultados, todo o time já estivesse envolvido no que estava acontecendo. Aqui, também, foi quando a faísca de que estávamos com algo maior do que ‘uma simples tela’ se transformou em um mar de chamas. Não apenas existiam 4 personas que trabalhavam de forma distinta, mas também utilizavam informações que não estavam no sistema (arquivos digitalizados, planilhas e outros).
O que fizemos aqui foi encontrar pontos em comum entre todas as auditorias. Imagine dois extremos, por mais distantes que sejam, ainda existe uma linha que os conecta.
Buscando essa ligação entre a forma de trabalho dos auditores conseguimos nos preparar (e otimizar) a etapa de prototipação.
Ideação
Existem diversas formas de se fomentar a ideação, aqui nós seguimos duas correntes:
- A primeira foi olhar para dentro de casa, e para isto trabalhamos como Analogias. Esta é uma abordagem do Design thinking que acaba por trazer tangibilidade a ideias desconexas. Olhamos para os nossos produtos e procuramos pontos em comum e como foram solucionados.
- Por conseguinte, seguimos olhando para o mercado, não exatamente em para a forma como sistemas de saúde estavam agindo, mas sim como o mercado financeiroatuava. Perceba, aqui a nossa análise foi ‘quem trabalha com grande quantidade de dados? Como abordam suas soluções’?
Duas maneiras foram o ponto focal desta etapa, mesmo assim, acabamos viajando por outras áreas e formas de absorver conhecimento. O que fica de mais primordial é que ideias não surgem do nada, elas precisam ser nutridas.
Já para a concepção das ideias, trabalhamos com iterações e contatos constantes com os usuários, o que nos permitiu iterar rascunhos virtuais das nossas ideias. Para isto, um alinhamento de expectativa, já no início da primeira fase de entendimento acaba sendo um grande ganho nas etapas intermediárias e finais do processo.
Outro ponto aqui foi a validação de informações. Nos preocupamos tanto com a organização quanto quais informações seriam necessárias para cada persona. Ao mapear estes dados, testar e validar com usuários (mesmo nos rascunhos), criamos um cenário onde o momento de prototipação (etapa seguinte) acabou sendo algo mais visual e menos focado em arquitetura de informação. Por sua vez, tornando todo o processo mais ágil.
Prototipação
Este é o momento em que todo o trabalho anterior, desde a etapa de entendimento à ideação, se transformam em algo realmente palpável.
No protótipo procuramos seguir uma linha onde não apenas fosse possível exibir as informações peculiares a cada persona mantendo consistência, mas também criar formas que exigissem o menor esforço cognitivo possível dos usuários. Para isto dividimos a nossa tela em 3 sessões:
- Um header com informações relevantes sobre o beneficiário e um atalho levando a todas as informações dele (abrindo em uma modal);
- Corpo da guia com os dados da análise se alterando entre os diferentes padrões da TISS. Além do fato de possuir links de acesso para arquivos externos que são anexados no sistema por uma rotina também desenvolvida para esta jornada;
- A terceira área é onde fica localizada os ‘itens da guia’, que são basicamente as solicitações e o foco dos auditores.
Chegamos neste formato compreendendo a jornada do corpo médico e de enfermagem. Entendemos que para analisar os itens, eles precisam passar pela jornada: Beneficiário >Padrão TISS.
Também levamos em consideração que focar nos itens após ver as informações da TISS é algo que acontece com frequência. Para isto disponibilizamos uma rotina onde os usuários simplesmente clicam em um botão no meio da tela (ou usam uma tecla de atalho) e apenas o header com os itens ficam em tela (podem acessar as informações prévias desfazendo a ação).
Teste
Ao decorrer de todas as etapas, nestas duas semanas da fase de Design, mantivemos uma interação constante com os usuários. Desde o primeiro momento na geração de rascunhos e etapas mais complexas, na validação de informações. Isto nos permitiu focar, após a prototipação, justamente nas dinâmicas e micro interações da tela.
No entanto, aqui tivemos uma dificuldade maior por conseguimos acessar apenas os responsáveis da área nesta etapa. Por conta disso o conhecimento adquirido durante todo o processo e mais a experiência de negócio do time da Fábrica fez total diferença. Conseguimos iterar e criar uma experiência que fizesse sentido para o cliente e os usuários.
Para esta dinâmica utilizamos o Figma para simular os fluxos e dar vida as nossas ideias, justamos isto à testes com objetivos que precisavam ser cumpridos e algumas demonstrações casuais.
Conclusão
Todo este trabalho rendeu não apenas o re-design de uma tela, mas também a descoberta de um novo produto. Acessamos dores que não eram conhecidas, desbravamos fluxos e jornadas que eram aceitas como ‘normais’ e por fim idealizamos a possibilidade de um novo produto em duas semanas! Obviamente que agora esta descoberta entra no funil do produto e tem seu fluxo de vida iniciado. Algo que é importante salientar é o fato de mantermos o Design em movimento, se atrelando à diversas áreas e momentos de vida de um produto e ideia.
A área de inovação aqui da Zitrus ainda está tomando corpo, criando suas raízes, mas já iniciamos nossa jornada totalmente focados em Design e em envolver os usuários no início do processo. Ansioso para ver o que esse time irá desbravar no futuro.